… o eterno retorno memorável … revisitar a ancestralidade …

30 de janeiro de 2014

Revisitar a ancestralidade te recoloca de uma maneira fulminante dentro da “cada vez mais distante” realidade ancestral. Já que nos dias de hoje existimos cada vez mais na dimensão virtual.
Passei quase um mês reconectado com pessoas e lugares que freqüentei durante a minha infância. Tuiuti, Passa Três, Extrema, Rio Jaguarí, Riachos, Matas Nativas. Me reaproximei da simplicidade de viver no campo.
O pequeno sítio da minha família que me presenteou com tantas histórias e vivências incríveis me surpreendeu novamente. De pequeno, no mesmo sitio, eu tentava em vão avistar em liberdade canários ou pássaros exóticos. Passava muito tempo a procura das aves. Eram outros tempos … onde nem televisão existia nas redondezas. Só tinha rádio. A gente vivia de tirar tudo o que a natureza podia oferecer para distrair a cabeça. Existiam rádios, rios e gaiolas … muitas gaiolas. Pássaro bom era pássaro engaiolado.  Canários mesmo na minha infância só consegui mesmo avistar preso. Caçaram todos os canários da região bragantina.
Mas com o passar do tempo. Veio televisão e depois  veio internet e agora somos nós que passamos o tempo engaiolados dentro desse novo feudo virtual. Um revive de um tipo de idade média. Sorte dos pássaros e dos bichos! Sorte mesmo.
Nesse verão  pude avistar aves que jamais tinha visto no sitio durante a minha infância. A começar pelos lindos canários livres e soltos que agora criam nas árvores perto da casinha do sitio. Meu tio Alonso escutou o canto. É canário! É canário! E quando olhamos para a frondosa árvore … lá estavam eles. Cantando … ninhando … criando. Foi uma sensação muito boa vê-los por lá … livres e cantando.
Foi como se os pássaros viessem para nós dizer : – “Não se preocupem que nós estamos aqui e dessa vez é pra ficar pra sempre”. Com o passar dos dias pude presenciar espetáculos sonoros visuais proporcionado por bandos de Gralhas do Campo, Tuins, Pintassilgos, Tesourinhas, Pica-Paus Brancos, Anus, Sanhaços e até Saíras, outra espécie que jamais encontrei na minha infância. Avistei casais de Saí-Amarelo e Saí-Azul. Tem uma espécie de sanhaço muito verde que ainda não consegui identificar e confesso que é extremamente encantadora.  Pássaros admiráveis que em todos os sentidos tem preenchido um espaço na minha alma. Algo praticamente indescritível.

Há uns 500 metros do sítio corre um riacho que desemboca no famoso Rio Jaguari. Minha curiosidade fez com que eu fosse até ele pescar. A mata ciliar “mezzo” atlântica ainda existe e para chegar nas margens do riacho, é preciso entrar no mato pra pescar. Aquela sensação de adentrar o desconhecido permanece a mesma. Barulhos vindos de todos os lados o tempo todo nos deixam num estado de atenção e deslumbramento que fica difícil de explicar.

No primeiro dia fui pescar com minha irmã e minha namorada. Ficamos num pequeno poço onde tiramos Tambiús, Lambaris e uma espécie que recém povoou a região bragantina, o Jacundá, esse peixe se deu muito bem, tanto que pesquei ele em outros ribeirões e lagos.
Grilos verdes de todos os tamanhos um tanto quanto curiosos … pulavam pra cima da gente. Pulava um … pulava dois … pulava três … e o corpo ia ficando verde da cor da mata.
Noutro dia fui com meu Tio Alonso pescar. Avançamos ainda mais para dentro da mata e ai sim de maneira visceral pude reencontrar velhos parceiros do passado. Pesquei alguns Bagres e Mandis. As velhas peles de cobra trocada povoavam um pequeno trecho de matagal rasteiro. É uma visão por si só muito tocante. Visto que são dezenas dessas peles espalhadas e você atravessando por elas. Por onde elas estão agora!? A natureza é fantástica e um certo medo é o lance mais instigante na jornada mata a dentro … nessas horas o lance é abstrair …. por isso é sempre bom manter um cantil com aguardente para amolecer o espírito e se deixar levar pelo estado de espírito da mata.
Fui presenteado esse dia por uma aparição de um Tico-tico Rei. Outra espécie que jamais tinha avistado solta na natureza. O pequeno Tico-Rei ficou mais de meia hora perambulando do outro lado da margem. Ele ficou ali de boa mesmo. Afinal, a casa é dele.
Há poucos metros dali um alvoroço sonoro proporcionado por pequenos macacos. Eles entraram numa algazarra que durou um bom tempo também. A essa altura eu já estava num poço bem distante do meu tio. A gente vai movido pela curiosidade e mesmo com medo de ir adiante … somos tomados por uma espécie de vontade ancestral de se embrenhar na mata. A essa hora eu já estava com metade do corpo coberto pelo matagal.
Periquitos Tuins passavam por ali o tempo inteiro e não em bandos. Passavam cantando solitariamente … estão criando seus filhotes e só perto de fevereiro e março se reúnem em bandos novamente.
Quando escurece.  Os barulhos intensificam por todos os lados. Uma sinfonia absurda ecoa. Você fica numa espécie de espetáculo extremamente sonoro pincelando pelos piscas piscas do vaga lumes e as sombras da mata. Uma pequena lanterna para casos de urgência e uma vela acesa pra marcar território. Bagres puxam a vara violentamente. É preciso estar muito atento para não perder a puxada. Só que fica extremamente difícil permanecer centrado na pesca com tantos sons malucos no entorno.
A cabeça entra num tipo de transe porque os pensamentos ficam realmente diferentes. Você não consegue pensar em nada muito distante da realidade da mata quando você está pescando totalmente sozinho. Um barulho na água e pode ser capivara, pode ser um lontra, pode ser algum bicho que você não tem idéia. A interrogação pauta tudo. O mistério. E as cascas das cobras!? Será que elas vem trocar as cascas a noite? A cabeça a mil. A selva é boêmia. É tudo bicho da noite. Dai, o lance é bebericar pra amolecer o juízo e enfrentar o mistério do mato.
Voltar da pescaria é o bicho! Chamei pelo meu tio  e ele estava num poço bem distante. Uns 500 m lá na frente.  Na volta fui só ilumiando com a lanterna. Aquela lanterna das antigas. Que ilumia mais ou menos. A volta pela mata é uma aventura a parte, porque a chance de ser perder ali é bem grande, visto que a noite nada fica parecido com nada. Então já na ida você tem que marcar mentalmente alguns pontos chaves e bater o mato pra seguir por ele na volta. E os barulhos por todo lado seguem a mil. Grilos, cigarras, pássaros da noite, corujas, vagalumes ao fundo e quando você sai da mata. Aquele bosque,  o pasto e milhares de estrelas no céu. Outro espetáculo a parte.
É um retorno memorável. Revisitar a ancestralidade .

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